A partir de agora, clubes não podem impedir que sócios incluam companheiros
do mesmo sexo como dependentes em título familiar. A decisão, do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJ-SP), foi proferida na quinta-feira (29/11) e diz
respeito ao casal de médicos Ricardo Tapajós Martins Coelho Pereira, de 48 anos,
e Mario Jorge Warde Filho, de 41.
O médico infectologista Ricardo Tapajós é sócio do Club Athletico Paulistano
e, em janeiro 2010, pediu a inclusão de seu companheiro como dependente no
título familiar. A decisão só foi tomada cerca de sete meses depois, no dia 26
de agosto. Em assembleia no clube, 150 votos foram contrários ao pedido, diante
de apenas 2 favoráveis à inclusão. “Se fosse Maria, e não Mario, em sete dias eu
já estaria matriculado. Foi o caso da ex-companheira do Ricardo”, diz o
cirurgião plástico Mario Warde. Diante da negativa, Tapajós entrou na Justiça.
Na 11.ª Vara Civil do Foro Central de São Paulo, a decisão foi favorável ao
casal. O clube, porém, entrou com recurso no TJ-SP.
O clube, um dos mais tradicionais e fechados de São Paulo, alegou que segue o
Código Civil, segundo o qual só existe relação estável entre homem e mulher.
Também afirmou que o Estado não pode se intrometer em assuntos de interesse de
entidade privada. Por fim, assegurou em sua defesa que qualquer mudança no
estatuto do clube só poderia ser feita por meio de assembleia dos
associados.
O relator do caso na 6.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal, desembargador
Fortes Barbosa, não aceitou nenhuma das alegações. Lembrou que o Estado tem a
obrigação de garantir o respeito aos direitos fundamentais das pessoas não só
nas suas relações diretas com os cidadãos. Deve protegê-los também nas relações
entre pessoas físicas e jurídicas. Em outras palavras, nenhuma associação civil
pode agir à revelia da lei.
Quanto à lei, o relator lembrou que ela reconhece a união homoafetiva como
família. Citou a decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2011, que diz o
seguinte: “os casos de união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo não diferem em nada dos casos entre heterossexuais”. Quanto à
assembleia do clube, o relator concluiu ser desnecessária, porque nenhuma
decisão dela pode se opor às leis do País.
A decisão foi recebida com alegria pelo casal. “Ficamos muito contentes e
orgulhosos, pois é uma abertura de portas. Agora estamos criando uma
jurisprudência e, passo a passo, vamos assegurando um espaço de normalidade”,
diz Warde. Ele se diz satisfeito porque outros casais gays já não terão de
passar por esse problema.
Warde conta que ele frequenta habitualmente o clube como convidado de
Tapajós. Para isso, paga à parte e não pode usar muitos dos serviços oferecidos
pelo local, como a academia ou o cinema. Ele relata que a maioria dos sócios
apoia o casal.
“Quando ganhamos em primeira instância, meu Facebook foi invadido por sócios
do clube com cartas de felicitação, dizendo que era para eu me sentir em casa
lá. Temos muitos amigos e colegas que apoiam a causa”, diz. Para ele, a
assembleia que negou sua inclusão não representa a vontade dos sócios.
O advogado Fábio Simões Abrão, que representa o casal, afirma que, após a
publicação do acórdão, haverá um prazo de 15 dias no qual o clube ainda poderá
entrar com mais um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Supremo
Tribunal Federal (STF). “Gostamos muito da decisão, é uma decisão de vanguarda,
pioneira na tutela dos direitos fundamentais do ser humano”, diz Abrão.
Para ele, o caso vai servir como precedente para situações semelhantes. “Mas
dificilmente outro clube vai ter essa postura, até por ver que o TJ já se
posicionou a favor. Opor-se a uma situação dessas é discriminação clara e
inequívoca”, diz.
Posição oficial. Em nota, o clube afirmou que, “em respeito aos seus
associados e aos envolvidos na questão, reafirma sua inteira disposição em
cumprir a decisão judicial, na forma da lei”. De acordo com a assessoria de
imprensa, o clube não deve recorrer. “Decisão judicial se cumpre; não se
discute”, informa a nota. As informações são do jornal O Estado de
S.Paulo.
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