Por que o governo propõe a
convocação de um plebiscito? Há um sentimento difuso, em vários setores da
sociedade, de que o sistema político não funciona. Uma das instituições mais
desprestigiadas do país – senão a mais desprestigiada – é o Congresso Nacional.
A imagem dos políticos – e dos parlamentares em particular – é a pior possível.
Da esquerda até a velha mídia,
todos criticam o Congresso. Os diagnósticos podem ser diferentes – à esquerda,
porque o poder do dinheiro faz com que lobbies das minorias enriquecidas
controlem o parlamento; à direita, porque, por definição, quer sempre governos
e congresso fracos, para aumentar o peso do mercado e da mídia, expressões dos
seus interesses e posições.
As mobilizações das últimas
semanas também tiveram “nos políticos” um dos seus alvos preferidos, refletindo
as reiteradas campanhas contra os parlamentares que correm sistematicamente na
internet.
Uma das iniciativas do governo –
aquela politicamente mais relevante – foi à convocação de um plebiscito para
desbloquear iniciativas de reforma política – na verdade, reforma do processo
eleitoral – que estavam paradas no Congresso e freadas nas tentativas de um
acordo entre os partidos, levada a cabo por Lula.
Com boas ou más intenções,
alguns setores tentam incluir uma quantidade enorme de questões na consulta ao
povo, desde o voto distrital até o tipo de regime – presidencialismo ou
parlamentarismo. Na prática, significa inviabilizar o plebiscito, seja pela
quantidade e diversidade imensa de questões sobre as quais não haveria acordo e
geraria prolongamento da discussão até impossibilitar a convocação do
plebiscito, com a regulamentação necessária e o período de campanha, a tempo de
ter validade para as eleições de 2014; seja por colocar questões outras, que
tiram o foco que levou ao impulso popular pela reforma política.
Dentre todas as questões, aquela
sobre a qual há maior consenso é a do financiamento público ou privado das
campanhas eleitorais. Não significa que exista acordo, mas reconhecimento de
que as negociações da reforma política emperraram nesse tema.
Ele é essencial – mesmo sob
alegação de que não é suficiente para impedir o peso do dinheiro nas campanhas
eleitorais - porque age contra a forma atual de financiamento, que transfere a
desigualdade econômica para o processo eleitoral.
Atualmente pode-se dizer que um
dos problemas maiores para que alguém possa se candidatar é o custo das
campanhas, o preço para que uma pessoa possa fazer conhecer minimamente que é
candidata. Cada um busca a resolução do problema da sua forma, mas quase todas
desembocam em procurar o dinheiro onde o dinheiro está – nas empresas. Estas,
por sua vez, encontram nesse mecanismo uma forma útil de ter os candidatos
presos a seus interesses, financiando campanhas de vários candidatos, de
distintos partidos.
Pode não haver um mecanismo
formal e direto de cobrança pelos financiados em relação aos financiados, mas
não há duvidas que ele existe. Pelo menos no financiamento da eleição seguinte,
em que as empresas dirigirão seus recursos para aqueles que mais diretamente
defenderam seus interesses.
A existência de grande número de
lobbies no Congresso – do agronegócio, da educação privada, dos planos privados
de saúde, dos proprietários privados dos meios de comunicação, das igrejas
evangélicas, entre outros – expressa, de forma mais aberta, a presença dos
interesses privados no Congresso.
O financiamento público
permitirá uma competição menos desigual entre os candidatos, evitando que o
peso do dinheiro intervenha de maneira tão aberta no processo eleitoral.
Há sempre, por parte dos setores
beneficiários e simpatizantes do financiamento privado, o apelo aos mecanismos
mais egoístas das pessoas: “você gostaria que o seu imposto financiasse a
campanha dos políticos?”. Uma pergunta que induz diretamente a uma resposta
negativa.
Mas que traz embutida a consequência
de que, se não é o setor público quem financia as campanhas, quem o faz? O
mercado, o setor privado, projetando na campanha politica às desigualdades
econômicas que caracterizam o Brasil como o país mais desigual do continente
mais desigual do mundo. É deixar os representantes políticos ficarem reféns do
poder econômico.
O fato de que a sociedade não se
reconheça representada no Congresso, embora seja ela que o elege, se dá por
isso, pela forma como as campanhas refletem o peso do dinheiro e condicionam
fortemente a suposta liberdade de escolha dos cidadãos através do voto.
De forma que o Congresso não é o
reflexo da sociedade, porque entre um e outro está à mediação do dinheiro, que
falseia a representação política. Como um de tantos exemplos, há na Câmara uma
grande bancada do agronegócio, mas apenas dois representantes de trabalhadores
agrícolas. Enquanto que, na realidade do campo no Brasil, os trabalhadores são
a imensa maioria.
Uma aprovação do financiamento
público vai encontrar grandes resistências – da mídia e boa parte dos partidos.
Estes sentem que perdem poder nas negociações pelos votos que têm no Congresso,
assim como pelo tempo que têm na televisão. O PMDB e tantos partidos de aluguel
buscam sabotar o plebiscito ou se opõem diretamente a ele. A mídia porque,
embora critique o tempo todos os políticos, precisa de um Congresso
desmoralizado para enfraquecer a política e a cidadania que se representa nela.
Será necessária uma campanha muito massiva e
eficiente para que se desbloqueie uma das travas maiores para a eleição de um
Congresso que seja a cara da sociedade brasileira. E para que essa oportunidade
de resgate da política e das representações parlamentares da sociedade não se
perca.
por Emir Sader
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