O Uruguai pode se tornar nesta terça-feira o primeiro país latino-americano a
legalizar a produção, distribuição e venda de maconha, assim como o primeiro do
mundo a submeter todas essas etapas ao controle do Estado.
A expectativa
é de que o projeto seja aprovado no Senado para logo depois ir à sanção do
presidente José Pepe Mujica, já tida como certa.
Segundo o governo, o
objetivo da lei é tirar poder do narcotráfico e reduzir a dependência dos
uruguaios de drogas mais pesadas.
Mas como vai funcionar essa nova lei?
Abaixo a BBC responde a várias perguntas para ajudar o leitor a entender como
vai funcionar a liberação da maconha no Uruguai.
Quem vai supervisionar a
'indústria' da maconha?
Pela lei, o Estado assume o controle e a
regulação das atividades de importação, produção, aquisição, a qualquer título,
armazenamento, comercialização e distribuição de maconha ou de seus
derivados.
Uma agência estatal, o Instituto de Regulação e Controle de
Cannabis (IRCCA), ligado ao Ministério da Saúde Pública, será responsável, por
sua vez, por emitir licenças e controlar a produção, distribuição e compra e
venda da droga.
Em suma, todas as fases do processo terão, de alguma
forma ou de outra, a presença do Estado .
Quem pode comprar e plantar
maconha?
Todos os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos,
que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da
maconha poderão comprar a erva em farmácias autorizadas.
Além disso, os
usuários poderão ter acesso à droga de outras duas maneiras:
Autocultivo
pessoal (até seis pés de maconha e até 480 gramas por colheita por ano)
.
Clubes de culturas (com um mínimo de 15 membros e um máximo de 45 e um
número proporcional de pés de maconha com um máximo de 99).
A lei limita
a quantidade máxima que um usuário pode portar: 40 gramas. A legislação também
determina o máximo que uma pessoa pode gastar por mês com o consumo do
produto.
Ainda não está claro, no entanto, qual será o preço da maconha
legal. Embora o governo pretenda competir com o narcotráfico estabelecendo
preços de mercado — por exemplo, US$ 1 (R$ 2,30) por grama —, organizações de
consumidores asseguram que essa meta será difícil de ser cumprida.
A erva
também poderá ser cultivada para o uso científico e medicinal, que poderá ser
obtida por meio de receita médica.
A lei também legaliza a produção da
maconha no princípio ativo conhecido como cânhamo industrial (presente em alguns
hidratantes, por exemplo).
Produtores também poderão cultivar a erva,
desde que autorizados pelo Estado.
Como as licenças são concedidas
?
De acordo com dados do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, 20% dos
uruguaios com idade entre 15 e 65 anos usaram maconha em algum momento de sua
vida e 8,3 % o fizeram no último ano.
O plantio de 10 a 20 hectares (em
torno de 15 vezes a dimensão de um campo de futebol) de cannabis em estufa seria
suficiente para atender a demanda nacional, de acordo com estimativas oficiais
preliminares.
De acordo com uma pesquisa realizada por uma consultoria
privada, 63% dos uruguaios são contra a lei de regulação da maconha, uma
proporção semelhante à registrada há um ano, quando o presidente do Uruguai,
José Mujica, apresentou a proposta .
Maconha
Um dos objetivos da lei é
sufocar o narcotráfico
O projeto de lei não especifica quais serão os
critérios para outorgar licenças, qual será o custo da erva ou quem estará
autorizado a cultivar o produto.
Por outro lado, a regulação estabelece a
criação dos registros correspondentes para a produção, o autocultivo e o acesso
à maconha por meio de farmácias.
Esses registros serão guardados pela lei
de proteção de dados sensíveis ou lei do habeas datas e serão administrados pelo
Instituto de Regulação e Controle de Cannabis.
De acordo com estimativas
do governo, o volume previsto de produção da maconha é de 26 toneladas anuais, o
equivalente ao total consumido no mercado negro.
Segundo afirmou à BBC o
diretor do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada, o governo
prevê outorgar inicialmente poucas licenças a produtores de maconha (em torno de
20) de forma a garantir a segurança e os níveis de colheita necessária para
atender a demanda.
As primeiras licenças devem começar a ser concedidas
em meados do próximo ano.
Qualquer plantação não autorizada deve ser
destruída com a intervenção de um juiz e o IRCCA será responsável pela
implementação das sanções caso haja violações das normas de
licenciamento.
Como a legalização afetará outros países?
A maconha
será produzida em solo uruguaio, mas as sementes poderão ser provenientes de
outros países.
Além disso, o Uruguai poderá se voltar para o mercado
global para vender suas sementes e poderá exportar os seus produtos para outros
países onde o uso medicinal ou recreativo da droga é permitido.
Segundo
Calzada, "há um movimento interessante de produtores, agricultores, tanto a
nível nacional como internacional, que excede em muito as licenças que o Estado
irá proporcionar."
"Há empresas interessadas e também alguns casos
governos, que estão interessados em licenças para o uso medicinal", diz
ele.
Alguns países, entretanto, como o México e o Brasil, demonstraram
preocupação com a aprovação da lei.
"Em nenhum momento tentamos convencer
nenhum país do que estamos fazendo aqui", diz Calzada, "mas queremos dar a
garantia a outros países de que a maconha produzida legalmente aqui não vai
acabar no mercado negro. Este é o nosso compromisso".
O consumo deve
aumentar?
Mujica defendeu publicamente a aprovação de controversa
proposta
Segundo o governo, a medida não ampliará o mercado de maconha: a
lei simplesmente regulariza o uso para não incentivar o consumo.
No
entanto, os opositores da lei temem quem, com a legalização, mais jovens queiram
consumir a droga.
O governo já anunciou que vai desenvolver planos para
prevenir o consumo e proibiu a publicidade e venda do produto para menores de 18
anos.
A lei também determina a criação de uma Unidade de Monitoramento e
Avaliação da aplicação e cumprimento da nova legislação.
Segundo o
governo, as receitas obtidas com a legalização da maconha serão destinadas ao
financiamento de programas de prevenção, reabilitação e outros fins sociais
.
A indústria de cannabis pode crescer?
Enquanto o governo diz que a
prioridade é roubar o negócio do tráfico de drogas e promover a prevenção,
algumas pessoas disseram que a lei poderia até trazer benefícios econômicos para
o país.
De acordo com o grupo que reúne as organizações a favor do
projeto, o Regulación Responsable, "oportunidades de negócios para os produtores
nacionais, farmácias e outros atores envolvidos na cadeia de produção são
abertas."
"Nos últimos anos, o mundo iniciou um processo de pesquisa e
geração de conhecimento sobre a maconha , especialmente na área médica e
farmacêutica", disse à BBC Martin Collazos, do Regulación
Responsable.
"Há cannabis com fins psicoativos, mas também industriais:
produção de tecido a base de cânhamo, papel, biocombustíveis e infinitas
possibilidades de incorporar a produção de mais-valia da cannabis", diz ele
.
Atualmente, estima-se que o mercado de maconha ilegal no Uruguai
movimente cerca de US$ 30 milhões (R$ 70 milhões) por ano.
Fonte: BBC Brasil
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